segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Onde eu uso Teoria dos Jogos

Alguns insights para uma nova forma de pensar
A beleza da Teoria dos Jogos é que, mesmo originada da matemática, ela nos ajuda a ter um modelo mental para situações do cotidiano onde precisamos prever comportamentos alheios nos momentos de competição ou cooperação.
A seguir alguns insights que eu sempre tenho em mente após aprender a Teoria dos Jogos como um framework.
Primeiro, Teoria dos Jogos me permite buscar meus objetivos sem interpretar o meu auto-interesse ("egoísmo" para alguns) como uma atitude ruim e antiética. Não há necessidade de se sentir culpa. Da mesma forma, a teoria me permite enxergar como legítimo o auto-interesse do outro jogador, sem considerá-lo um inimigo moral. Mesmo existindo interesses individuais conflitantes, ainda é possível ter uma atitude colaborativa, onde cada um se aproxima ao máximo dos seus próprios objetivos.

Segundo, entender a "lógica da situação" me propicia ficar atento sobre como o desenho dos incentivos influenciam comportamentos e como as pessoas reagem a eles. Saber o que o outro realmente quer (suas reais motivações) é um exercício que faço para prever as atitudes.

Terceiro, a Teoria dos Jogos me possibilita ser mais racional em determinadas situações, sem reagir com mágoa/raiva/espanto quando o outro age de forma diferente do que eu gostaria. Ao entender o desenho do jogo, eu consigo admitir que eu reagiria da mesma forma se estivesse no lugar dele.
Quarto, eu passo a ser mais prudente nas ações, não necessariamente lento, ao tomar as decisões antecipando a reação dos outros, ajustando a estratégia inicial por conta disso. Assim minimizam-se os erros bobos e os comentários do tipo "fui surpreendido". Você nunca será surpreendido se mentalmente se colocar na posição do outro, considerando as opções que ele tem e considerando que ele quer o melhor para ele.
Por último, interpreto que Teoria dos Jogos, assim como qualquer outra teoria, não é a solução para todos os problemas. Teoria dos Jogos é para a Economia o que a Física é para a Engenharia: fornece alguns fundamentos para que se una com outros conceitos e se torne prática. Teoria dos Jogos e Física apresentam os conceitos. Economia e Engenharia convertem na prática.

Em resumo, após estudar Teoria dos Jogos eu passei a admitir:

- que a vida é um jogo, sem preconceito, e somos parte dele

- que as pessoas têm objetivos diferentes

- que esses objetivos diferentes são devido ao auto-interesse, pois todos querem melhor para si, e isso é totalmente legítimo

- que eu agiria da mesma forma no lugar do outro, considerando o desenho dos incentivos que ELE tem

- que quem define o resultado do jogo é o próprio desenho dos incentivos (ou matriz de payoffs)

- que é possível todos se beneficiarem se usarem esta mesma lógica.

Como exemplo, é benéfico saber quando estamos presos num Dilema do Prisioneiro, pois este "modelo" gera insights para buscar cooperação e, se não for possível, tentar resenhar os payoffs do jogo para que o equilíbrio, mesmo com decisões isoladas, seja melhor.
Assim, usando Teoria dos Jogos, eu compilaria as seguintes dicas:

* Lembre-se que os resultados que pretende não são isolados, mas frutos da interdependência das suas ações e do outro. Tudo o que fizer terá alguma reação e a combinação de ações é que define o resultado final para ambos.

* Coloque-se no lugar do outro antes de agir e imagine quais incentivos e opções ELE possui para agir. De forma racional e consistente, imagine o que você faria se você FOSSE ELE. Isso é diferente de "o que você faria NO LUGAR DELE".
* Se você tem uma estratégia dominante, aquela que você tem o melhor resultado independente das ações do outro, use-a. Isso significa que não precisa perder tempo avaliando todas as decisões pois isso não afeta o seu resultado.
* Preocupe-se com o SEU resultado como objetivo final. Ou seja, se você ganhar mais com certa combinação de ações, ótimo. Não fique preocupado se você, ao ganhar mais, permite que ele ganhe mais. Ao conseguir o SEU máximo possível dada a situação, não compare os resultados dele pois a vida não é um jogo de soma-zero - ambos podem ganhar. Apenas considere o resultado DELE para prever a ação DELE.
* Considerando as premissas e desenho dos payoffs, aja racional e consistentemente para atingir os objetivos. Se sua estratégia é agir irracionalmente de propósito, então sua ação é racional. Se o seu oponente parece agir de forma irracional, então ele deve ter premissas, objetivos e matriz de payoffs diferentes - os quais você não conseguiu captar corretamente.
* Como mostram outras teorias comportamentais, desvios de racionalidade existem. Saber quais são os vieses cognitivos de uma decisão (exemplo: ancoragem ou dificuldade de lembrança) pode te ajudar na sua estratégia para prever corretamente quais premissas e utilidades seu oponente valoriza.
* Resultados sub-ótimos, ou equilíbrios ineficientes, existem e fazem parte dos jogos reais. Se você não ficar satisfeito com essas imperfeições conquistadas, você precisa mudar o desenho de incentivos. Caso contrário o equilíbrio será sempre o mesmo: o ineficiente ou sub-ótimo.
* Não precisa calcular todos os números de todos os resultados para tomar decisões. Use um sistema de ranking ou preferências (as utilidades de cada opção), mesmo que sejam as palavras "mais lucro" e "menos lucro" num padrão referencial.
* Exceto um turista que tem certeza que nunca voltará mais ao estabelecimento, é melhor cooperar. A vida está muito mais para um Dilema do Prisioneiro com infinitas repetições do que jogo de uma tacada só. Suas ações de "traição" serão captadas e devolvidas em formato de não-cooperação.



Thatiane Félix